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17/04/2011

O rato modesto e o pardal optimista



Era uma vez um rato que todos os dias ia comer a um restaurante. Bom. Onde ele comia era no contentor do lixo do restaurante, o que não é bem a mesma coisa...
Quem também lá aparecia quase sempre, à cata de acepipes, era um pardal saltitante e optimista.
Às vezes, um homem, pobre e velho, também se abastecia no caixote, à procura de folhas de couve e cascas de fruta, para alimentar dois coelhos de estimação, que não eram esquisitos de boca.
Assim que o homem chegava, o pardal voava e o rato fugia, mas não voavam nem fugiam para muito longe, porque o caixote, ao fim e ao cabo, chegava para todos.
E a história podia ficar por aqui, se nós não soubéssemos que o restaurante teve de fechar, por falta de clientes. Não os do contentor, já se vê...
- A casa vai mudar de ramo - informou o pardal, que sabia sempre as últimas.
- ?Mudar de ramo"? Então as lojas também voam de árvore em árvore? - perguntou o rato, que sabia muito pouco.
- Não me faça rir, senhor rato - e o pardal riu-se. - Mudar de ramo quer dizer mudar de actividade. Em vez de um restaurante, vão lá pôr uma loja de ferragens.
- Talvez também tenha um bom contentor - lembrou o rato.
- Não me faça rir - e o pardal riu-se. - Na loja de ferragens há martelos, serras, pregos, parafusos, chaves, fechaduras e... armadilhas para pardais e ratoeiras para ratos...
- Que horror! - arrepiou-se o rato. - Assim vamos morrer de fome.
- Não me faça rir - e o pardal riu-se. - Eu não conto morrer de fome.
- Então o que é que vai fazer?
- Também vou mudar de ramo, isto é, vou voar para outra árvore, que fique perto de outro restaurante. Quem nos pode dar uma ajuda é esse homem que aí vem, à procura de folhas e de cascas.
- O quê? Ele tem um restaurante? - estranhou o rato.
- Não me faça rir - e o pardal riu-se. - O que ele tem é muita prática de contentores. Se formos atrás dele, havemos de encontrar um que nos agrade.
Assim fizeram. Um pelo ar e o outro pelo chão, seguiram disfarçadamente o homem. E muito se admiraram que a cidade fosse tão grande, os contentores tão abundantes e os restaurantes em tão grande número.
- E não vão todos, de um dia para o outro, transformar-se em lojas de ferragens? - perguntava o ingénuo do rato.
- Não me faça rir - e o pardal riu-se. - Até que o meu amigo se veja obrigado a comer limalha de ferro e rolos de arame, ainda há-de saborear muita paparoca gostosa. Não pense em desgraças e aproveite o que há, enquanto há.
Este pardal era, realmente, um optimista.


António Torrado