( 391x375 , 253kb)


03/12/2010

A boneca



— Não leves sempre essa boneca suja contigo para a cama — disse a mãe de Eva.
— A minha Anita não é nenhuma boneca suja. — respondeu Eva — A minha Anita é muito querida.
— Mas está muito feia — continuou a mãe. — Olha só para a cara e para os cabelos dela!
Quando se olha para a boneca Anita, assim, sem se gostar dela, tem de se admitir. Bonita, não é. As bochechas estão cinzentas e a esboroar-se de tantos beijos e tantas lavagens. Já não tem propriamente um nariz, apenas uma saliência suja, e dos cabelos castanhos já só ficou um pequeno tufo de cabelos ralos.
Isto não incomodava Eva, mas a mãe dizia-lhe constantemente:
— Não queres pedir uma boneca nova pelo Natal? — perguntava-lhe.
Eva apertava a Anita contra si e dizia:
— Não!
— Tenho outra ideia — disse a mãe. — Vamos levar a Anita a um hospital de bonecas e lá põem-lhe cabelo novo e outro nariz.
Eva defendia-se. Não queria entregar a Anita.
Mas, certo dia, Alex, o irmão mais velho, disse uma coisa feia, uma coisa muito má. Disse:
— A tua boneca é um careca tinhoso!
Eva desatou a chorar. Depois, observou a sua Anita pela primeira vez com olhos de ver. Era verdade! A cara da Anita estava cheia de nódoas e a descamar-se, e quase totalmente careca.
Eva correu para a mãe.
— Achas — disse a soluçar — que no hospital das bonecas vão ser bons para a minha Anita?
— Mas claro que sim! — sossegou-a a mãe.
— Então… Por mim, podes levá-la…
Logo na manhã seguinte, a mãe foi ao hospital das bonecas. Era o único na cidade, pois já não havia muita gente que mandasse consertar bonecas.
No hospital das bonecas, um homem examinou a Anita.
— Tem pouco que se aproveite. Precisa de uma cabeça nova, e os braços e as pernas também deviam ser substituídos.
Apresentou à mãe diversas cabeças de bonecas, mas não havia nenhuma que fosse igual à da Anita.
— Além disso — continuou o homem — a reparação custa mais do que uma boneca nova.
A mãe de Eva procurou em todas as lojas de brinquedos uma boneca que, pelo menos, fosse mais ou menos semelhante à antiga Anita. Acabou por comprar uma do mesmo tamanho e com os mesmos cabelos castanhos. No resto, a nova boneca era um pouco diferente, mas encantadora, e tinha uma cara que se podia lavar com água.
Quando chegou a casa com as duas Anitas, a nova e a velha, Eva ainda estava no infantário. Mas Alex já tinha vindo da escola e descobriu a caixa no cesto de compras da mãe.
— Aha! — disse. — Compras de Natal!
— Uma boneca nova para a Eva — respondeu a mãe. — Mas ela não pode saber. Tem de pensar que é a sua Anita.
— Aha! — disse Alex. — Mentiras de Natal!
— Não sejas atrevido — disse a mãe. — É o melhor para a Eva.
— Deixa-a lá ficar com o careca tinhoso — disse Alex.
A mãe arrumou a caixa com a nova boneca no armário da roupa.
— Fico contente por finalmente nos vermos livres daquela coisa tão estragada.
Atirou a Alex o saco de plástico com a antiga boneca.
— Toma — disse. — Mete-a no contentor do lixo, mas lá para o fundo.
Alex pegou na boneca e saiu do quarto a assobiar baixinho.
Desde que a Anita desaparecera, Eva perguntava por ela todos os dias.
— A minha Anita ainda está no hospital? O homem é simpático com ela? Ela não tem saudades? Vou mesmo voltar a tê-la pelo Natal?
E a mãe respondia sempre:
— Sim, Eva. Com certeza, Eva. Não te preocupes, Eva.
Para a noite de Natal, a mãe de Eva vestiu à nova boneca o vestido da Anita e pô-la debaixo da árvore. Com o vestido vermelho, achava a mãe, ficava mesmo parecida com a Anita.
Mas, quando estendeu a boneca a Eva e disse:
— Ora vê como ficou linda a tua Anita! — Eva não aceitou e cruzou as mãos atrás das costas.
— Não! — gritou. — Essa não é a minha Anita!
E olhava decepcionada para a nova boneca:
— Eu quero a minha Anita… a minha Anita! — e começou a chorar baixinho sem parar.
A mãe não contara com isto e tentou consolar Eva. Mostrava-lhe outras prendas, levava-a à árvore de Natal, mas Eva mantinha os olhos baixos. Não queria ouvir nada nem ver prenda nenhuma.
— Anita! —queixava-se a menina. — Onde é que puseram a minha Anita?
Disse então Alex:
— Se não lhe devolverem o careca tinhoso, vai estragar-nos a festa de Natal.
— Mas… — balbuciou a mãe — tu deitaste…
— Achas? — perguntou Alex.
Correu ao quarto e regressou com um saco de plástico que meteu nas mãos de Eva.
— Anita! — gritou Eva, tirando do saco a velha boneca careca.
Alex sorria.
— E o que vais fazer agora à boneca nova?
— Esta? — perguntou Eva. — Vou dá-la a uma menina que eu não conheça.
— A uma menina… — repetiu Alex. — Ah, claro. Ela não pode ficar a saber que tens uma boneca careca fantástica!


Tilde Michels, Anne Braun (org.), Weihnachtsgeschichten, Würzburg, Arena Verlag, 1991.
Texto traduzido e adaptado