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15/03/2010

O Punhado de Pó



Num certo país, numa dada aldeia, vivia um homem rico e importante, que tinha por hábito instalar-se todas as manhãs no patamar da sua grande e bela casa, para ver passar os transeuntes. Via, com frequência, passar um mendigo, que ia apanhar lenha na floresta, enquanto cantarolava. Via-o também voltar, ao fim da manhã, com as costas curvadas pelo peso dos molhos de lenha, que ia por certo vender no mercado por algumas moedas de cobre.
Certa manhã, o homem rico interpelou o homem pobre:
— A tua coragem comoveu-me, amigo. Podes vir pedir-me, todas as manhãs, tudo aquilo de que necessitares, desde que sejam pedidos razoáveis, claro. Assim escusas de ir trabalhar tão arduamente na floresta.
O homem pobre reflectiu longamente, sempre com o dorso curvado. Quando ergueu a cabeça, fitou o homem rico com o rosto tisnado e disse-lhe, a sorrir:
— Dá-me um punhado de pó.
O rico ficou espantado e mudo por uns instantes. Depois, curvou-se e apanhou um punhado de pó, que deu ao pobre. Este agradeceu-lhe e foi-se embora, a caminho da floresta, cantarolando como de costume. A partir desse dia, todas as manhãs, o rico curvava-se e dava ao pobre um punhado de pó. Até ao dia em que se zangou:
— Meu Deus! Vens aqui todas as manhãs buscar um punhado de pó quando podes muito bem apanhá-lo tu mesmo?
O miserável desatou a rir e redarguiu:
— Prefiro que sejas tu a curvares-te. Como a ti tudo foi dado, gosto de te ver suar um pouco todas as manhãs. Reconforta-me a alma e dá-me coragem para enfrentar o dia. Não quero as tuas riquezas, quero um pouco da tua atenção afectuosa. Não queres oferecer-me este tão pequeno prazer?
O homem rico ainda fez menção de protestar, mas só conseguiu resmungar. E, subitamente, desatou a rir. O seu coração tinha-se aberto a uma verdade essencial. Então, voltando a baixar-se, apanhou um punhado de pó e deu-o ao miserável.



Conto da tradição judaica

Jean-Jacques Fdida
La naissance de la nuit et autres contes du monde entier
Paris, Didier Jeunesse, 2006
tradução e adaptação