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22/10/2009

A ama

Pansando-vos estou filha,
Vossa mãe me está lembrando;
Enchem-se-me os olhos de água,
Nela vos estou lavando.

Nasceste, filha, entre mágoa;
Para bem inda vos seja!
Pois em vosso nascimento
Fortuna vos houve inveja.

Morto era o contentamento
Nenhuma alegria ouvistes;
Vossa mãe era finada,
Nós outro éramos tristes.

Nada114 em dor, em dor criada,
Não sei onde isto há-de ir ter:
Vejo-vos, filha, fermosa,
Com olhos verdes crescer.

Não era esta graça vossa
Pera nascer em desterro:
Mal haja a desaventura
Que pôs mais nisto que o erro!

Tinha aqui sua sepultura
Vossa mãe, e a mágoa a nós!
Não éreis vós, filha, não,
Pera morrerem por vós.

Não ouvem fados razão,
Nem se consentem rogar;
De vosso pai hei mor dó,
Que de si se há-de queixar.

Eu vos ouvi a vós só
Primeiro que outrem ninguém;
Não fôreis vós se eu não fora:
Não sei se fiz mal se bem.

Mas não pode ser, senhora,
Pera mal nenhum nascerdes,
Com esse riso gracioso
Que tendes sob olhos verdes.

Conforto, mas duvidoso,
Me é este que tomo assi!
Deus vos dê melhor ventura
Do que tiveste te aqui.

A Dita e a Fermosura,
Dizem patranhas antigas,
Que pelejaram um dia,
Sendo dantes muito amigas.

Muitos hão115 que é fantesia:
Eu, que vi tempos e anos,
Nenhuma coisa duvido
Como ela é azo de danos116

Nem nenhum mal não é crido,
O bem só é esperado:
E na crença e na esperança,
Em ambas há hi cuidado,
Em ambas há hi mudança.


Romanceiro, Almeida Garrett