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18/01/2008

O Rei Chahriar e seu Irmão O Rei Chahzaman


Conta-se - mas só Alá sabe tudo - que havia nas dobras do tempo e dos séculos um rei da dinastia dos Sassan que reinava nas ilhas da Índia e da China. E tinha dois filhos: Chahriar e Chahzaman. Ambos eram governantes justos, e seus povos amavam-nos.
Certo dia, Chahriar sentiu irresistível saudade do irmão e enviou seu vizir para convidá-lo. Chahzaman respondeu: "Ouço e obedeço”.Fez os preparativos necessários, encarregou o vizir de governar na sua ausência e partiu. No meio do caminho, lembrou-se de que havia esquecido um documento que queria mostrar ao irmão e voltou para apanhá-lo. Ao chegar ao palácio, encontrou a mulher deitada no seu leito imperial com um escravo negro. Pensou: "Se tais coisas acontecem quando ainda não saí da cidade, qual não será a conduta desta devassa se demorar-me muito tempo no reino de meu irmão?" Sacou da espada, cortou as duas cabeças e retomou viagem. Mas uma grande tristeza apoderou-se dele. Emagreceu, empalideceu. Ao vê-lo assim, o irmão preocupou-se e indagou-lhe sobre as causas de sua depressão. Ele não quis contar. Para distraí-lo e diverti-lo, Chahriar organizou uma excursão de caça e um safári, em sua honra. Assim mesmo, no último momento, desculpou-se, e seu irmão saiu sozinho com os convidados.No palácio do rei, havia janelas que davam para o jardim. O rei Chahzaman olhou através de uma delas e viu vinte escravas saírem do palácio acompanhadas por vinte escravos e dirigirem-se para um açude no meio do jardim. E ficou espantado ao reconhecer no meio do grupo a própria esposa do irmão, a qual, num determinado momento, chamou a si um negro gigante e entregou-se a ele na presença de todos, dando assim sinal para que escravos e escravas se juntassem e imitassem a rainha. Observando tudo isso, Chahzaman pensou: "Por Alá, minha desgraça é menos pesada que a de meu irmão”.E, instantaneamente, a alegria voltou-lhe ao coração e as cores às faces pálidas. Quando Chahriar voltou, alegrou-o ver o irmão recuperado e quis saber a causa de mudança tão repentina. "Posso contar-te a causa de minha depressão, não de meu restabelecimento”, disse Chahzaman. E contou-lhe o que acontecera entre ele e sua mulher. Mas o irmão queria saber também o segredo de seu restabelecimento e insistiu. Chahzaman acabou por lhe contar o que observara da janela do palácio.
- Primeiro, gostaria de ver tudo isso com os próprios olhos, disse Chahriar.
-É fácil, replicou o irmão. Proclama que estás viajando para um país longínquo, sai publicamente da cidade e a ela volta em segredo, e poderás assistir a tudo da janela como fiz.
Imediatamente, o rei encarregou um pregoeiro de anunciar a sua ida numa viagem demorada. Os soldados acompanharam-no e instalaram um campo fora da cidade. O rei entrou em sua tenda e ordenou aos criados que não deixassem entrar pessoa alguma. Depois, disfarçou-se em mercador e, voltando secretamente ao palácio, pôs-se à janela indicada. Menos de uma hora depois, viu vinte escravas e vinte escravos rodearem a rainha, viu o negro gigante e tudo o que seu irmão lhe descrevera.
O rei quase perdeu a razão e disse ao irmão: "Vamos procurar outro destino pelos caminhos de Alá, pois só teremos direito a voltar a nossos tronos se localizarmos homens mais desgraçados que nós."
Saíram do palácio e viajaram dias e noites até que chegaram a um prado à beira-mar. Naquele prado havia um córrego de água fresca. Os dois irmãos sentaram-se debaixo de uma árvore para beber e descansar. Logo, viram o mar agitar-se e dele sair uma coluna de fumaça negra, e a fumaça transformar-se num génio de enorme estatura, carregando um cofre. Aproximou-se da árvore, sentou-se e abriu o cofre, e os dois irmãos viram nele uma mulher de grande beleza que lembrava as palavras do poeta:
“Apareceu na noite e transformou-a em dia”.
E os viajantes se orientaram pela sua luz.
Seus olhos eclipsam os sóis e as luas.
As criaturas dançam de alegria quando ela chega.
E a natureza chove lágrimas quando ela se vai.”
O génio tirou a mulher do cofre e disse-lhe: "Vou dormir um pouco”.E, apoiando a cabeça nos joelhos dela, fechou os olhos e dormiu.
Ao ver os dois reis, a mulher acenou-lhes para se aproximarem. Mas eles explicaram por sinais que tinham medo do génio. "Não tenhais medo”, replicou. "Ele nunca acorda antes da hora habitual. Dispondes de muito tempo”.E como eles continuaram a hesitar, tirou a cabeça do génio de cima dos joelhos, depositou-a sobre uma pedra e disse aos reis: "Se não vos aproximardes e me furardes, acordarei o génio que vos submeterá à mais horrível das mortes." Então eles fizeram o que ela queria. E ela mostrou-lhes um pequeno saco cheio de anéis:
- Sabeis o que são estes anéis? Perguntou. São os anéis de 60 homens que copularam comigo sob os comos deste cretino Afrit. Agora, dai-me vossos anéis para que os junte à minha colecção. Acrescentou: “Este Afrit apaixonou-se por mim, raptou-me na noite de meu casamento e me encarcerou neste cofre, sendo mortalmente ciumento. Mas ele não sabe que seja o que for que uma mulher deseja, nada a impedirá de consegui-lo”.
Disse o poeta:
“Não confies nas mulheres
E não dês fé às suas juras.
Pois seus humores dependem de seus ovários.
Exibem amor fingido
E agem com perfídia.
Que a história de José te ponha de pré-aviso.
Não vês que o demônio expulsou
Adão do paraíso
Por causa de uma delas?”
Os irmãos olharam um para o outro e disseram: "Se a este génio acontecem coisas assim apesar de sua força e vigilância, podemos sentir-nos consolados”.E regressaram a seus palácios. Chahriar mandou cortar a cabeça de sua esposa e dos quarenta escravos e escravas. E a fim de prevenir qualquer futura traição, decidiu casar-se cada noite com uma nova donzela e mandar matá-la na aurora. Em três anos, centenas de moças foram assim sacrificadas. A tristeza e o horror encheram o reino. As famílias fugiam para salvar as filhas. Até que, um dia, o vizir, encarregado de conseguir uma nova donzela procurou e nada encontrou. Voltou para casa abatido e receoso do que o rei faria com ele. Ora, este vizir tinha ele mesmo duas filhas que superavam todas as demais moças em beleza, charme, finura, educação e inteligência. A mais velha chamava-se Chehrezad, e a mais nova Duniazad. Chehrezad havia lido inúmeros livros e conhecia a história dos povos, reis, poetas dos tempos antigos e modernos. Era eloquente, e sua voz tinha um timbre melodioso muito agradável.
Vendo o pai assim infeliz, perguntou-lhe qual era a causa de sua infelicidade. Contou-lhe. Então disse Chehrezad: "Por Alá pai, deve casar-me com este rei. Não importa que morra ou sobreviva, saberei livrar as filhas dos muçulmanos desta calamidade”.O vizir atendeu à vontade da filha, e levou-a ao rei Chahriar. Entretanto, Chehrezad dera as seguintes instruções à irmã: "Quando estiver com o rei, mandarei chamar-te. Assim que o rei acabar seu ato comigo, dize: Conta-nos, querida irmã, uma daquelas histórias maravilhosas que fazem o tempo passar de maneira tão deliciosa.' Então, contarei minhas histórias, e quiçá resgatarei assim as filhas dos muçulmanos." Quando o rei se aprontava para deitar com Chehrezad, começou ela a chorar. - Que tens? Perguntou o rei. - Ó meu soberano, tenho uma jovem irmã de quem gosto muito e queria despedir-me dela antes de morrer. O rei mandou vir Duniazad. Duniazad chegou e jogou-se nos braços da irmã; depois, ficou encolhida ao pé da cama até que o rei acabasse de arrebatar a virgindade de Chehrezad. Depois, Duniazad disse à irmã: "Alá te acompanhe, ó querida irmã. Por que não nos contas uma de tuas maravilhosas histórias para que a noite passe mais agradavelmente?”
- Fá-lo-ei com prazer se meu soberano permitir.
- Sim, conta-nos uma de tuas histórias, disse o rei a Chehrezad, esperando suavizar assim sua habitual insônia.
E Chehrezad pôs-se a falar...