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01/02/2008

A raposa e a cegonha



Quis a raposa matreira
Que excede a todas na ronha.
Lá por piques de outro tempo,
Pregar um ópio à cegonha.

Topando-a, lhe diz: "Comadre,
Tenho amanhã belas migas,
E eu nada como com gosto
Sem convidar as amigas.

De lá ir jantar comigo
Quero que tenha a bondade:
Vá em jejum porque pode
Tirar-lhe o almoço a vontade".

Agradeceu-lhe a cegonha
Uma oferenda tão singela,
E contava que teria
Uma grande fartadela.

Ao sítio aprazado foi.
Era meio-dia em ponto.
E com efeito a raposa
Já tinha o banquete pronto.

Espalhadas em um lajedo
Pôs as migas do jantar
E à cegonha diz: "Comadre,
Aqui as tenho a esfriar.

Creio que são muito boas, —
Sansfaçon, — vamos a elas".
Eis logo chupa metade
Nas primeiras lambidelas.

No longo bico a cegonha
Nada podia apanhar;
E a raposa em ar de mofa,
Mamou inteiro o jantar.

Ficando morta de fome,
Não disse nada a cegonha;
Mas logo jurou vingar-se
Daquela pouca vergonha.

A dar-me o gosto amanhã
D'ir também jantar comigo".

A raposa lambisqueira
Na cegonha se fiou,
E ao convite, às horas dadas,
No outro dia não faltou.

Uma botija com papas
Pronta a cegonha lhe tinha;
E diz-lhe: "Sem cerimônia,
A elas, comadre minha".

Já pelo estreito gargalo
Comendo, o bico metia;
E a esperta só lambiscava
O que à cegonha caía.

Ela, depois de estar farta,
Lhe disse: "Prezada amiga,
Demos mil graças ao céu
Por nos encher a barriga".

A raposa conhecendo
A vingança da cegonha,
Safou-se de orelha baixa.
Com mais fome que vergonha.

Enganadores nocivos,
Aprendei esta lição.
Tramas com tramas se pagam.
Que é pena de Talião.

Se quase sempre os que iludem
Sem que os iludam não passam.
Nunca ninguém faça aos outros
O que não quer que lhe façam.

Curvo Semedo (Trad.)